A presença de alguém
Há pouco mais de duas semanas, um amigo meu esteve aqui em casa. Na verdade, algo diferente de um amigo, uma pessoa que conheci em uma viagem e que ficou dois dias na minha casa, em passagem pelo Rio.
Ele foi embora num sábado de manhã bem cedinho, e eu até acordei e me despedi, mas voltei pra cama completamente sonada. Quando acordei, algumas horas depois, olhei em volta e achei tudo tão normal, tudo tão igual, que parecia que ele nunca estivera aqui. Tive que olhar as fotos que tiramos juntos pra voltar a sentir que ele realmente viera e que tudo que passamos juntos fora real. Mas no apartamento inteiro, não encontrei sinal dele. Nenhuma louça na pia, nenhuma luz acesa, nenhuma meia esquecida.
Dois ou três dias depois, me dei conta de uma coisa em que ele mexeu. Na minha estante tenho uns gatinhos de papier maché que ficam sentados nas prateleiras. Um deles, que sempre cai, estava colocado numa posição estranha, todo pra dentro da prateleira, sem as pernas pra fora como seria o certo. Olhei pro gato e sorri.
Não fui eu que mexi no gato, e ele certamente não estava daquele jeito antes, porque eu arrumei a estante antes desse menino chegar. Logo, foi ele quem colocou assim. Provavelmente ele esbarrou no gato, porque as malas dele estavam perto dessa estante e ele sempre passava por ali. O gato deve ter caído e ele colocou de volta desse jeito esquisito.
Quando eu vi o gato, resolvi não mexer. Por duas semanas eu olhei pro gato e pensei nele. O gato colocado na posição errada era a prova de que essa pessoa estivera aqui, era um resquício da presença dele.
A presença de alguém num ambiente pode estar nas coisas mais bobas. Uma marca na parede, um quadro torto, qualquer coisa fora do lugar. As pessoas mexem na sua casa, e tentam disfarçar, mas nunca vão deixar tudo do jeito que só você sabe como é. Arrumar ou não é uma escolha diretamente relacionada a lembrar-se dessa pessoa. Às vezes, ajeitar ou limpar qualquer coisa pode ser como apagar a presença de alguém definitivamente, e correr o risco de apagar também a lembrança.
Hoje eu arrumei o gato na minha estante. Estava meio melancólica, pensando exatamente nessa pessoa, e resolvi que não quero conviver com esse fantasma dele aqui em casa, mesmo que fosse numa coisa tão pequena. Algo meio Eternal Sunshine, só que com rastros. Nosse memória funciona por associação e eliminar os rastros é eliminar os ganchos. Lembrar da pessoa passa a ser algo mais autônomo quando você não tem nada que te remeta a ela.
Não que eu queira esquecê-lo, nem esquecer que ele esteve aqui. Mas não quero conviver com a ausência dele. Porque esse resquício da presença de alguém acaba só reforçando que essa pessoa não está mais lá.
Duas semanas do gato me lembrando ele sempre que eu olhava. Ainda vou passar alguns dias pensando nisso sempre que olhar o gato. Mas é provável que com o tempo o gato volte a ser só um enfeite na minha estante e deixe de ser a lembrança de alguém que foi embora. Nesse dia, e só então, esse alguém terá ido de fato. E as lembranças vão ter que se provar fortes o suficientes nelas mesmas, para que eu não me esqueça de que ele esteve aqui e de tudo o que aconteceu nesses dias.
Há pouco mais de duas semanas, um amigo meu esteve aqui em casa. Na verdade, algo diferente de um amigo, uma pessoa que conheci em uma viagem e que ficou dois dias na minha casa, em passagem pelo Rio.
Ele foi embora num sábado de manhã bem cedinho, e eu até acordei e me despedi, mas voltei pra cama completamente sonada. Quando acordei, algumas horas depois, olhei em volta e achei tudo tão normal, tudo tão igual, que parecia que ele nunca estivera aqui. Tive que olhar as fotos que tiramos juntos pra voltar a sentir que ele realmente viera e que tudo que passamos juntos fora real. Mas no apartamento inteiro, não encontrei sinal dele. Nenhuma louça na pia, nenhuma luz acesa, nenhuma meia esquecida.
Dois ou três dias depois, me dei conta de uma coisa em que ele mexeu. Na minha estante tenho uns gatinhos de papier maché que ficam sentados nas prateleiras. Um deles, que sempre cai, estava colocado numa posição estranha, todo pra dentro da prateleira, sem as pernas pra fora como seria o certo. Olhei pro gato e sorri.
Não fui eu que mexi no gato, e ele certamente não estava daquele jeito antes, porque eu arrumei a estante antes desse menino chegar. Logo, foi ele quem colocou assim. Provavelmente ele esbarrou no gato, porque as malas dele estavam perto dessa estante e ele sempre passava por ali. O gato deve ter caído e ele colocou de volta desse jeito esquisito.
Quando eu vi o gato, resolvi não mexer. Por duas semanas eu olhei pro gato e pensei nele. O gato colocado na posição errada era a prova de que essa pessoa estivera aqui, era um resquício da presença dele.
A presença de alguém num ambiente pode estar nas coisas mais bobas. Uma marca na parede, um quadro torto, qualquer coisa fora do lugar. As pessoas mexem na sua casa, e tentam disfarçar, mas nunca vão deixar tudo do jeito que só você sabe como é. Arrumar ou não é uma escolha diretamente relacionada a lembrar-se dessa pessoa. Às vezes, ajeitar ou limpar qualquer coisa pode ser como apagar a presença de alguém definitivamente, e correr o risco de apagar também a lembrança.
Hoje eu arrumei o gato na minha estante. Estava meio melancólica, pensando exatamente nessa pessoa, e resolvi que não quero conviver com esse fantasma dele aqui em casa, mesmo que fosse numa coisa tão pequena. Algo meio Eternal Sunshine, só que com rastros. Nosse memória funciona por associação e eliminar os rastros é eliminar os ganchos. Lembrar da pessoa passa a ser algo mais autônomo quando você não tem nada que te remeta a ela.
Não que eu queira esquecê-lo, nem esquecer que ele esteve aqui. Mas não quero conviver com a ausência dele. Porque esse resquício da presença de alguém acaba só reforçando que essa pessoa não está mais lá.
Duas semanas do gato me lembrando ele sempre que eu olhava. Ainda vou passar alguns dias pensando nisso sempre que olhar o gato. Mas é provável que com o tempo o gato volte a ser só um enfeite na minha estante e deixe de ser a lembrança de alguém que foi embora. Nesse dia, e só então, esse alguém terá ido de fato. E as lembranças vão ter que se provar fortes o suficientes nelas mesmas, para que eu não me esqueça de que ele esteve aqui e de tudo o que aconteceu nesses dias.
