sábado, março 31, 2007

Leve
Chico Buarque

Não me leve a mal
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço

O meu coração, meu coração
Meu coração parece que perde um pedaço,
mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo

Não se atire do terraço, não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se esqueça depressa de mim, sim?

Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve

Não me leve a mal
Me leve apenas para andar por aí
Na lagoa, no cemitério
Na areia, no mormaço

O meu coração, meu coração
Meu coração parece que perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo

Não se atire do terraço, não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se esqueça depressa de mim, sim?

Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será tudo de bom
Mas não me leve

O meu coração parece que perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo


Ainda que o muito lindo tenha se transformado em muito triste, ninguém precisa morrer de amor.

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quinta-feira, março 29, 2007

Dos fantasmas

Alguém provavelmente já falou nisso antes de mim, mas eu só me dei conta agora. Sempre soube que em quase todos os momentos da vida somos rodeados por fantasmas que influenciam enormemente nas situações, principalmente nas nossas atitudes que se toma em relação a elas. Fantasmas que nos fazem ver mais ou menos do que há para ser visto, que deturpam o sentido das palavras ditas, que alteram as probabilidades dos fatos. Mas o que eu não sabia é que esses fantasmas, em sua maioria, não são fruto dos relacionamentos, da infância, da educação recebida ou o que quer que seja. O fantasmas são fruto da nossa cabeça, sabe-se lá porquê. E é incrível como eles alteram o nosso comportamento determinantemente.
Outro dia, conversando displicentemente comigo, uma amiga me revelou um dos meus maiores fantasmas. Disse assim, risonha e despreocupada, coisas sobre mim que eu nunca pensara, nem de longe. Me colocou de cara com uma dificuldade minha que eu nunca soubera resolver e que para ela estava evidente a causa.

Os fantasmas que a gente herda dos outros são fáceis de ver. Os fantasmas dos ex-namorados, dos pais repressores, dos coleguinhas maldosos, esses a gente às vezes até admite. Mas os fantasmas que nascem da gente são muito melhor disfarçados, se entranham de tal forma nas nossas atitudes que nos parecem parte de uma personalidade complexa. Exorcizá-los sem a ajuda de um amigo é quase impossível. Ironicamente, para os amigos, esses fantasmas se mostram óbvios e estúpidos.

Não me ressenti da minha amiga por não ter me revelado o fantasma antes. Minha reação, depois do espanto, foi apenas de gratidão. Acho que agora as coisas podem mudar, finalmente, porque me dei conta de onde estava o problema. É engraçado notar o quanto das suas atitudes são regidos mais por medos e inseguranças do que realmente pelas circunstâncias. Me imaginei uma pessoa idiota, com os olhos cheios de conjutivite, tateando no que está claro pra todo mundo, porque não consegue ver.
Não sei como vai ser amanhã, nem teria graça se soubesse. Mas acho que as mudanças vêm, seguro que vêm, a vida não é estática. E em alguma hora a gente cresce, um dia chega o dia de aprender com os erros e tornar-se alguém melhor, ou no mínimo que enxergue com mais clareza.