Quando se sabe que vai morrer
Assisti ao último filme de François Ozon, O tempo que resta (Le temps qui rest). Trata-se dos últimos meses de vida de um jovem fotógrafo, que descobre um câncer e decide não tentar nenhum tratamento ao saber que suas chances de cura eram praticamente nulas. Ele simplesmente escuta do médico que tem cerca de três meses restantes de vida e decide não contar aos pais, nem à irmã, nem ao namorado, não conta a quase niguém, decide morrer sozinho.
Lembrei-me muito de Minha vida sem mim (Mi vida sin mi), de Isabel Coixet. Vi esse filme há algum tempo, e me lembro que me tocou demais, porque narra os últimos meses de vida de uma jovem na mesma situação, que se descobre vítima de uma doença terminal e decide encerrar seus assuntos, deixar tudo pré-ordenado para que a vida de sua família funcionasse sem ela.
Os acontecimentos nas vidas dos dois protagonistas são diferentes, os anseios são outros, as realidades são muito distintas, mas a aproximação é inevitável por motivos muito simples: não só o tema gerador é o mesmo, a morte pré-datada, mas também o efeito, imaginar-se na mesma situação.
Quantas noites passei em claro imaginando minha vida sem mim, e quantas passarei agora, pensando no que faria com o tempo que resta? Se pudéssemos saber quanto tempo resta... Se pudéssemos enxergar o espectro da morte aproximando-se antes de sermos alcançados, quais coisas se tornariam prioridades imediatas, e quantas perderiam a importância?... Às vezes é bom tentar pensar em quais descartaríamos como fúteis, banais ou desnecessárias, talvez elas sejam supérfluos mesmo hoje...
Uma vez me disseram que eu vivo como se a morte estivesse espreitando por cima do meu ombro. É verdade que talvez me sinta assim. Meu pai morreu de uma dessas doenças que a gente sabe que se vai morrer com alguns meses de antecedência. Não se pode fazer muito, a não ser tentar tornar aqueles últimos dias difíceis os mais toleráveis que for possível.
Não me lembro dessa época com meu pai, era muito nova. Mas convivi por toda a vida com a dificuladade da minha mãe em falar no assunto, com as constantes ponderações sobre possíveis mortes súbitas e o que fazer nesses casos e com a ausência da figura paterna.
Dentre as muitas conseqüências dessa ausência a serem analisadas durantes meses em sessões de divã, percebo esta, uma sensação de que a morte está sempre prestes a acontecer, seja comigo, seja com os outros ao meu redor. Me tornei uma pessoa um pouco triste, um pouco obcecada com isso, com essa morte iminente, colada no meu pescoço. É muito natural para mim pensar, e dizer, que as pessoas podem morrer, de uma hora para outra, porque eu sei que é assim que acontece, e sei de verdade. Sempre penso que posso morrer quando atravesso a rua, quando pego um avião, quando ando de madrugada pelo Rio de Janeiro. E penso o mesmo dos outros. Isso incomoda muito algumas pessoas que convivem comigo, e por isso evito tocar no assunto. Mas penso.
Acho que vivo num meio termo estranho entre o suspense da morte e a premeditação. Ao mesmo tempo em que me pergunto quando vai ser, como, onde, cogitando milhões de opções e vendo possibilidades em todas as situações, passo meus dias avaliando se as coisas valem a pena. O protagonista de François Ozon fala nisso, diz que tem se perguntado frequentemente sobre a utilidade ou a finalidade das coisas. Eu penso muito nissso. Penso que, se eu morresse hoje, ou amanhã, de que serviria tal e tal coisa? E tento ter sempre pelo menos uma coisa que valha a pena em cada dia.
Todos os dias, tenho a preocupação de fazer alguma coisa prazeirosa, seja sair para dançar ou ler um bom livro, ou escrever alguma coisa interessante, enfim, fazer alguma coisa cujo resultado seja imediato, cuja fruição seja simultânea com o fazer. Não adianta passar seus dias plantando sementes que não se sabe se haverá tempo para colher, por mais cafona que isso soe. Planos a gente faz mas não necessariamente vive. É urgente que se viva todos os dias momentos plenos neles mesmos, momentos que se possa considerar válidos, merecedores dos seus últimos minutos nesse mundo, porque pode ser que sejam, realmente, os últimos.
Ninguém está livre de ouvir de um médico que só se tem mais três ou quatro meses de vida. Eu faço questão de tem certeza todos os dias de que meus últimos meses têm valido a pena, e que não me arrependeria nem acharia que perdi tempo com besteiras se descobrisse que foram realmente os últimos. Por que nossa presença nesse mundo é sempre tênue, frágll e inesperada. Da mesma maneira impressionante como fomos gerados, um espermatozóide em milhões feculda aquele óvulo, naquele instante, podemos também morrer de formas inusitadas e improváveis. Porque somos homens e isso nos faz racionais, produtivos, inventivos e bem-sucedidos dentre os seres vivos, mas também nos faz frágeis e efêmeros como todos os outros.
Assisti ao último filme de François Ozon, O tempo que resta (Le temps qui rest). Trata-se dos últimos meses de vida de um jovem fotógrafo, que descobre um câncer e decide não tentar nenhum tratamento ao saber que suas chances de cura eram praticamente nulas. Ele simplesmente escuta do médico que tem cerca de três meses restantes de vida e decide não contar aos pais, nem à irmã, nem ao namorado, não conta a quase niguém, decide morrer sozinho.
Lembrei-me muito de Minha vida sem mim (Mi vida sin mi), de Isabel Coixet. Vi esse filme há algum tempo, e me lembro que me tocou demais, porque narra os últimos meses de vida de uma jovem na mesma situação, que se descobre vítima de uma doença terminal e decide encerrar seus assuntos, deixar tudo pré-ordenado para que a vida de sua família funcionasse sem ela.
Os acontecimentos nas vidas dos dois protagonistas são diferentes, os anseios são outros, as realidades são muito distintas, mas a aproximação é inevitável por motivos muito simples: não só o tema gerador é o mesmo, a morte pré-datada, mas também o efeito, imaginar-se na mesma situação.
Quantas noites passei em claro imaginando minha vida sem mim, e quantas passarei agora, pensando no que faria com o tempo que resta? Se pudéssemos saber quanto tempo resta... Se pudéssemos enxergar o espectro da morte aproximando-se antes de sermos alcançados, quais coisas se tornariam prioridades imediatas, e quantas perderiam a importância?... Às vezes é bom tentar pensar em quais descartaríamos como fúteis, banais ou desnecessárias, talvez elas sejam supérfluos mesmo hoje...
Uma vez me disseram que eu vivo como se a morte estivesse espreitando por cima do meu ombro. É verdade que talvez me sinta assim. Meu pai morreu de uma dessas doenças que a gente sabe que se vai morrer com alguns meses de antecedência. Não se pode fazer muito, a não ser tentar tornar aqueles últimos dias difíceis os mais toleráveis que for possível.
Não me lembro dessa época com meu pai, era muito nova. Mas convivi por toda a vida com a dificuladade da minha mãe em falar no assunto, com as constantes ponderações sobre possíveis mortes súbitas e o que fazer nesses casos e com a ausência da figura paterna.
Dentre as muitas conseqüências dessa ausência a serem analisadas durantes meses em sessões de divã, percebo esta, uma sensação de que a morte está sempre prestes a acontecer, seja comigo, seja com os outros ao meu redor. Me tornei uma pessoa um pouco triste, um pouco obcecada com isso, com essa morte iminente, colada no meu pescoço. É muito natural para mim pensar, e dizer, que as pessoas podem morrer, de uma hora para outra, porque eu sei que é assim que acontece, e sei de verdade. Sempre penso que posso morrer quando atravesso a rua, quando pego um avião, quando ando de madrugada pelo Rio de Janeiro. E penso o mesmo dos outros. Isso incomoda muito algumas pessoas que convivem comigo, e por isso evito tocar no assunto. Mas penso.
Acho que vivo num meio termo estranho entre o suspense da morte e a premeditação. Ao mesmo tempo em que me pergunto quando vai ser, como, onde, cogitando milhões de opções e vendo possibilidades em todas as situações, passo meus dias avaliando se as coisas valem a pena. O protagonista de François Ozon fala nisso, diz que tem se perguntado frequentemente sobre a utilidade ou a finalidade das coisas. Eu penso muito nissso. Penso que, se eu morresse hoje, ou amanhã, de que serviria tal e tal coisa? E tento ter sempre pelo menos uma coisa que valha a pena em cada dia.
Todos os dias, tenho a preocupação de fazer alguma coisa prazeirosa, seja sair para dançar ou ler um bom livro, ou escrever alguma coisa interessante, enfim, fazer alguma coisa cujo resultado seja imediato, cuja fruição seja simultânea com o fazer. Não adianta passar seus dias plantando sementes que não se sabe se haverá tempo para colher, por mais cafona que isso soe. Planos a gente faz mas não necessariamente vive. É urgente que se viva todos os dias momentos plenos neles mesmos, momentos que se possa considerar válidos, merecedores dos seus últimos minutos nesse mundo, porque pode ser que sejam, realmente, os últimos.
Ninguém está livre de ouvir de um médico que só se tem mais três ou quatro meses de vida. Eu faço questão de tem certeza todos os dias de que meus últimos meses têm valido a pena, e que não me arrependeria nem acharia que perdi tempo com besteiras se descobrisse que foram realmente os últimos. Por que nossa presença nesse mundo é sempre tênue, frágll e inesperada. Da mesma maneira impressionante como fomos gerados, um espermatozóide em milhões feculda aquele óvulo, naquele instante, podemos também morrer de formas inusitadas e improváveis. Porque somos homens e isso nos faz racionais, produtivos, inventivos e bem-sucedidos dentre os seres vivos, mas também nos faz frágeis e efêmeros como todos os outros.
