VolverVoltei de mais um encontro de estudantes de design. Por uma conjunção maravilhosa de fatores, foi de longe, mais especial de todos. Muitas coisas foram especiais, e, como constava na proposta, a mais mais foram as próprias pessoas. Dessa vez não conheci tanta gente nova, ainda que ter reforçado laços antes tênues seja proveitoso o suficiente para um encontro valer a pena. Mas conheci pessoas sim, uma em especial. Me envolvi, para variar, e mais uma vez voltei para casa com a mente confusa e o coração descompassado.Me envolvi também com idéias. Muitas idéias, de colegas, de palestrantes, e algumas minhas, que surpreenderam, confesso. Quando se está rodeado de seres pensantes, com vontade de refletir, discutir e chegar a algum lugar com seus raciocínios, ao contrário do que acontece na rotina daqui, parece que meu próprio cérebro se inspira e revela seu potencial. Talvez por comoção com tudo o que estava sendo dito e pensado, talvez por pura vontade de impressionar pessoas tão inteligentes e especiais que, ao serem tão interessantes quase me desafiavam a acompanhá-las, tive momentos deliciosos que me levaram a conclusões bastante proveitosas. Nessa semana que passei em Floripa, bebi muito, dancei muito, beijei muito e ri horrores, mas talvez o que eu mais tenha feito, ou pelo menos é o que fica de mais significativo pra auto-posteridade, foi pensar. Argumentei com pessoas que eu mal conhecia sobre tantos assuntos, ouvi opiniões tão ricas e diversas... Saí de algumas conversas, que ocorreram não só nos espaços "oficiais" de discussão, os balaios, mas também nos corredores e gramados da UFSC, com verdadeiras bibliografias, listas de referências de autores, temas, questões a serem estudadas e aprofundadas.Me senti pequena perto de tantas pessoas interessantes e suas idéias complexas. Pequena pela falta de leitura, pela preguiça de estudar, de desenhar, de escrever, pela pouca vergonha na cara mesmo que às vezes me cola a cara numa TV cheia de enlatados. Mas também me senti grande, quando vi o quanto eu posso fazer, o quanto podemos todos. Lógico que comparar-se a alguém formado, ou em vias de, é submeter-se a julgamentos injustos. Tenho um caminho imenso pela frente, e muito tempo pra chegar a algum lugar. O melhor mérito desse N, portanto, não preciso dizer que sob o meu ponto de vista, foi ter me despertado essa vontade, há algum tempo adormecida por preocupações menores, talvez até burocrátias de uma vidinha universitária que às vezes beira a mediocridade. Mas agora os quereres voltaram, e dessa vez não são desejos bobos nem caprichos momentâneos. Agora são vontades maiores, de algo grandioso, não em relação ao mundo, mas que faz muito sentido pra mim. Consegui lavar a alma de coisas até um pouco estúpidas que antes me preocupavam. Abri meus olhos para questões que realmente importam.Relendo esses parágrafos, reconheço o tom sonhador e até ingênuo que transborda no texto. Mas começo a achar que ingênuo é bom, considerando-se as circunstâncias. Alguém com tão pouca idade e tanto de faculdade pela frente, pra não falar com tanto de vida, não deveria se deixar dominar pela neurose de soar profissional, que me parece até um pouco ridícula.Era pra ser um texto sobre o N, e acabou virando uma divagação sobre a natureza dos meus próprios textos. Me parece adequado. Ninguém lê esse blog, anyway, o que me dá muita liberdade de exercitar algo que um dia talvez me leve a algum lugar. Sim, porque eu estou sempre querendo chegar a algum lugar. Voltando ao tema do N, esse encontro me confirmou o que eu vinha sentindo há anos, toda vez que viajo. Que esse conceito de lar, na verdade me é muito estranho, tendo em vista que eu nunca me sinto tão bem em casa como eu posso me sentir num albergue barulhento ou numa barraca úmida.Não que eu não preze o que tenho aqui. Sem falar de mãe, amigos mais que especiais e todas essas coisas que me rodeiam, pelas quais confesso ser bastante apegada, tem muitas cisas de que eu gosto na minha vida no Rio. Mas tem alguma coisa que me faz sentir tão bem quando estou fora... não é a euforia de viajar, de ir às festas, nem nada, eu nem sou a pessoa mais animada do mundo, acabo dormindo cedo às vezes... Falo de uma sensação de liberdade, de plenitude mesmo, de se sentir completo quando não se tem mais que o essencial, quando se é obrigado a se virar sozinho, de ser autêntico quando se pode vestir qualquer personagem.Estar rodeado de estranhos te permite dizer o que quiser, reinventar-se a cada bom dia. Posso estar enganada, mas tenho a sensação de que nunca sou tão sincera quanto posso ser com esses estranhos, talvez simplesmente por não ter medo do que possam pensar essas pessoas que eu não terei que rever no dia seguinte.Agora começam a fazer sentido algumas referências, me vêm à cabeça cenas de filmes, falas de personagens que sempre me encantaram. Não cabe citá-los, mas cabe dizer que o exercício de auto-conhecimento nunca me pareceu tão rico. Podem chamar de egotrip, mas não me importa. Em Floripa mesmo me aconselharam a investir em me conhecer, em buscar em mim mesma as respostas, em dar valor à felicidade das pessoas grandes. É o que pretendo fazer, a partir de agora. Mais importante que vaidades, paixonites ou assuntos alheios, agora eu quero pensar no que realmente me importa.Várias questões ficam levantadas depois desse N. Algumas são conceituais e eu posso buscar as respostas em livros e discussões, ou, principalmente, nas minhas próprias reflexões. Outras vão ser respondidas com o tempo, ou por outras pessoas, por serem de outra natureza e exigirem atitudes, vontades e sentimentos fora do meu alcance. Sem falar nas inspirações que surgiram relacionadas a design, ensino, pesquisa, eventos, etc etc. Não sei quanto tempo vou levar pra digerir tudo isso, não sei sequer se algum dia vou chegar a realizar tudo que esse N me despertou. Mas o importante às vezes não são as respostas, e sim as questões. E, sem sombra de dúvidas, esse foi o N dos questionamentos.Não sei se foram as pessoas que se adequaram perfeitamente às circunstâncias ou o contrário, mas poucas coisas nesse N poderiam ter se passado melhor para mim. Espero que a organização tenha idéia do que tudo isso significa. Eu, pelo menos, acho que tenho.Amanhã tudo continua, depois de alguns dias a poeira baixa, a gente consegue desfazer a mala, lavar a roupa, arrumar o quarto, descarregar as fotos, acalmar as trocas de scraps, arquivar os papéis, e a vida começa a retomar o curso. Não tenho a menor pressa de fazer tudo isso, a palavra de ordem agora é deixar as coisas acontecerem. Se for pra ter pressa de alguma coisa, é pra colocar em prática as ideiazinahs que estão piscando agitadas no meu cérebro. Escrevo como um compromisso, para não esquecer de tudo o que tenho que fazer, das cartas que quero escrever, dos livros que preciso ler, das conversas que pretendo ter, dos dias que pretendo tornar mais proveitosos.E aquilo que hoje me deixa angustiada e até um pouco triste, as saudades de tudo aquilo que não coube em uma semana, talvez acalme. Me disseram que o N é bom porque acaba, acho que estou começando a entender porquê. Se não tivesse prazo, talvez fosse menos intenso, eu mesma disse que só sou inteira quando sou estranha. Fica assim então, a vida invandindo o quarto, ansiosa por continuar. Um dia pra arrumar as coisas, outro pra comprar os livros, outro pra trocar as fotos, e eu sei que as saudades vão diminuir, eu sei que não é a primeira nem a segunda vez... E aquilo de que eu sinto falta talvez esbarre comigo perto de casa, numa tarde qualquer. Ou talvez eu esbarre com ele sabe-se lá onde e decida mudar tudo. Cada pode ser surpreendente e eu não vou me esforçar pra adivinhar o que está por vir. Voltei a ser prolixa o suficiente pra me cansar de escrever antes do fluxo de idéias se esgotar. Pra falar a verdade, espero que ele não se esgote nunca, apenas ganhe corpo e quem sabe um dia me leve a algum lugar. Assumindo a repetição, eu sempre quero chegar a algum lugar, parece que há em mim uma sina do moto contínuo que não me permite ficar muito tempo num mesmo lugar, e evidentemente não me refiro apenas a lugares físicos. Essa inquietude já me rendeu crises e noites de insônia, complexos de incompetência, mas agora eu prefiro achar que cada um tem seus meios de crescer e é muito mais importante tentar entender os que apontam a sua natureza do que tentar se encaixar nos parâmetros alheios.São muitas, muitas as reflexões, o corpo do texto chega a ficar confuso. Mas isso é só um pouco da bagunça que os últimos dias instalaram em mim. Os responsáveis que vistam a carapuça e se manifestem, caso passem por aqui. Aceito cartões postais, telefonemas e quaisquer outras lembranças. Também me deixarão contente manifestações dos que se identificarem com tudo isso. Mas se ninguém falar nada também não há mal nenhum. Eu escrevi isso tudo me focando apenas na minha percepção subjetiva mesmo, e admito que não há muita qualidade literária no que acabou de sair. Publico apenas por um compromisso que assumi comigo. Que conste como registro de um momento muito feliz e muito confuso, e como exercício, sem falar nos lembretes e referências camuflados, que faço questão de não perder.O resto, veremos depois
Leve Chico Buarque
Não me leve a malMe leve à toa pela última vezA um quiosque, ao planetárioAo cais do porto, ao paço
O meu coração, meu coraçãoMeu coração parece que perde um pedaço, mas nãoMe leve a sérioPassou este verãoOutros passarãoEu passo
Não se atire do terraço, não arranque minha cabeçaDa sua cortiçaNão beba muita cachaça, não se esqueça depressa de mim, sim?Pense que eu cheguei de leveMachuquei você de leveE me retirei com pés de lãSei que o seu caminho amanhãSerá um caminho bomMas não me leve
Não me leve a malMe leve apenas para andar por aíNa lagoa, no cemitérioNa areia, no mormaço
O meu coração, meu coraçãoMeu coração parece que perde um pedaço, mas nãoMe leve a sérioPassou este verãoOutros passarãoEu passo
Não se atire do terraço, não arranque minha cabeçaDa sua cortiçaNão beba muita cachaça, não se esqueça depressa de mim, sim?Pense que eu cheguei de leveMachuquei você de leveE me retirei com pés de lãSei que o seu caminho amanhãSerá tudo de bomMas não me leve
O meu coração parece que perde um pedaço, mas nãoMe leve a sérioPassou este verãoOutros passarãoEu passoAinda que o muito lindo tenha se transformado em muito triste, ninguém precisa morrer de amor.
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Dos fantasmasAlguém provavelmente já falou nisso antes de mim, mas eu só me dei conta agora. Sempre soube que em quase todos os momentos da vida somos rodeados por fantasmas que influenciam enormemente nas situações, principalmente nas nossas atitudes que se toma em relação a elas. Fantasmas que nos fazem ver mais ou menos do que há para ser visto, que deturpam o sentido das palavras ditas, que alteram as probabilidades dos fatos. Mas o que eu não sabia é que esses fantasmas, em sua maioria, não são fruto dos relacionamentos, da infância, da educação recebida ou o que quer que seja. O fantasmas são fruto da nossa cabeça, sabe-se lá porquê. E é incrível como eles alteram o nosso comportamento determinantemente.Outro dia, conversando displicentemente comigo, uma amiga me revelou um dos meus maiores fantasmas. Disse assim, risonha e despreocupada, coisas sobre mim que eu nunca pensara, nem de longe. Me colocou de cara com uma dificuldade minha que eu nunca soubera resolver e que para ela estava evidente a causa.Os fantasmas que a gente herda dos outros são fáceis de ver. Os fantasmas dos ex-namorados, dos pais repressores, dos coleguinhas maldosos, esses a gente às vezes até admite. Mas os fantasmas que nascem da gente são muito melhor disfarçados, se entranham de tal forma nas nossas atitudes que nos parecem parte de uma personalidade complexa. Exorcizá-los sem a ajuda de um amigo é quase impossível. Ironicamente, para os amigos, esses fantasmas se mostram óbvios e estúpidos. Não me ressenti da minha amiga por não ter me revelado o fantasma antes. Minha reação, depois do espanto, foi apenas de gratidão. Acho que agora as coisas podem mudar, finalmente, porque me dei conta de onde estava o problema. É engraçado notar o quanto das suas atitudes são regidos mais por medos e inseguranças do que realmente pelas circunstâncias. Me imaginei uma pessoa idiota, com os olhos cheios de conjutivite, tateando no que está claro pra todo mundo, porque não consegue ver.Não sei como vai ser amanhã, nem teria graça se soubesse. Mas acho que as mudanças vêm, seguro que vêm, a vida não é estática. E em alguma hora a gente cresce, um dia chega o dia de aprender com os erros e tornar-se alguém melhor, ou no mínimo que enxergue com mais clareza.
Só pra constarSim, mais um ano acaba, rápido como se tivesse sido só o mês, e a gente não consegue se livrar das reflexões.Por mais que se diga que não, que isso não importa, que é uma noite como outra qualquer, nos disfarçamos na desculpa de ser arrastado pela multidão e nos deixamos empolgar também. Posso negar, tentar me fazer de indiferente, mas mesmo que fique em casa, mesmo que não brinde, nem beije na boca, nem abrace um amigo, eu também vou fechar os olhos à meia-noite e fazer meus votos. Mesmo que eu não vista branco porque é cafona, eu também vou escolher uma roupa especial e vou me preocupar com a cor por baixo do vestido. E vou verbalizar, ainda que mentalmente, tudo aquilo que agradeço ter acontecido nos últimos 365 dias, e tudo aquilo que espero que aconteça nos próximos. Vou pensar nos erros e nas lições. no que valeu a pena e no que foi engano. Vou fazer balanços. E traçar metas.O calendário não é privilégio da sociedade ocidental contemporânea. E negar o dia de ano novo só por que é um clichê também não é novidade para ninguém.Façamos então todos nós o que deve ser feito hoje, pensemos na roda da vida, que tem, sim, ciclos. Todo ser humano precisa de medidas mensuráveis pra contar tudo, inclusive o tempo. O calendário é um paradigma, eu sei, mas quem disse que os paradigmas têm que ser questionados e rompidos o tempo inteiro?
Sem medo de ser piegas, eu vou passar o dia 31 de dezembro pensando no que foi 2006. Pra poder ter uma imagem clara na minha cabeça do que foram os meus 20 anos, do que foi o meu primeiro ano nessa faculdade, do que foi uma época especial por um monte de motivos. E vou desejar que 2007 seja especial também, não necessariamente mais, mas de alguma forma distinto dos outros.Espero que todos se sintam à vontade de fazer o que importa hoje. Sem ser por convenção e sem se privar de nada por pudores. Não é nada, não é nada, mas bem ou mal é a mudança de um dígito no calendário e no talão de cheques. E que isso signifique pra cada um exatamente o que significa.
DespedaçoPilhas de louça na piaPilhas de papel na mesaOntem fizemos uma pilha das minhas roupas mais as tuase eu me empilhei sobre tiHoje eu queria fazer uma pilha dos meus pedacinhos e me varrer pra debaixo da cama.[foto do gettyimages]
O coração é um músculo elástico.Não fui eu quem disse, foi o Wood Allen. Ontem, assistindo a Hannah e suas irmãs, concordei com ele. Mas tem vezes, depois de se inflarem enormemente, em que os corações demoram muito a voltar a seu tamanho normal. E tem vezes em que ele estica o máximo, mas não chega. O fato é que o coração estica e retrai como ele bem entende e a gente fica só esperando o dia em que fique confortável.Meu coração também não é grande o suficiente, Flavs. Nem o meu, nem o seu, nem o do Drummond. Todos precisamos de muitos.
Sobre se entregar com os olhosEstive aqui pensando... porque a gente dança colado de olhos fechados, beija de olhos fechados, mas faz sexo olhando nos olhos? O que significa fechar ou abrir os olhos quando se está com alguém? Entrega? Confiança?Eu lembro de um exercício que fazia quando tive aulas de teatro, que era pra você fechar os olhos e deixar o corpo cair pra trás, que alguém te segurava. Teoricamente, fechar os olhos e relaxar era exercitar a confiança, se entregar nas mãos de alguém que não ia te deixar cair, sentir aquilo e aquilo apenas, sem desviar a atenção pra nada. Na hora de dançar e beijar alguém, acho que é parecido, você fecha os olhos porque se entrega, porque nao quer pensar em nada além, porque toda a sua energia está ali. Mas e o sexo?Tem algum momento em que você se entregue mais a alguém do que quando faz sexo? Tem algum momento em que a sua atenção esteja mais fixa no que está acontecendo? Algum momento em que você confie no outro e se deixe levar pelas sensações que ele te provoca mais do que quando vai com ele para a cama? E ainda assim, as pessoas fazem sexo de olhos abertos...Acho que sexo é única coisa sincera que existe. Você está ali inteiro, é impossível disfarçar se não estiver. Sexo só é realmente bom quando a entrega e a confiança são tão sem limites e tão mútuas, que se pode olhar nos olhos e sorrir, se pode provar de uma cumplicidade inédita. E como já foi dito, não por mim, sexo quando é bom, é ótimo! Quando se está na cama com alguém que não te deixe tão à vontade, é difícil olhar nos olhos, às vezes você até fecha os olhos para disfarçar, tem vergonha de revelar o desconforto e finge estar sentindo coisas que talvez não esteja. Mas quando você está realmente bem, quando está se sentindo completo e sabe que pode se espalhar naquela pessoa, transbordar dela, aí você finalmente abre os olhos e olha para ela. Os olhos são as janelas da alma e obviamente também não fui eu quem disse isso. Olhar alguém nos olhos num momento tão íntimo e tão sincero é o máximo da confidência. Abrir os olhos com a luz acesa e manter contato visual por não sei quantos minutos é criar um elo que não precisa ser entendido ou verbalizado. Daquele momento em diante, sua relação com aquela pessoa muda de patamar e existe algo entre vocês que é único e que ninguém explica.Alguém com quem já se fez sexo é alguém que invariavelmente te conhece muito melhor do que a maioria das pessoas. Nem que seja só em um aspecto da sua personalidade, mas aquela pessoa, ou aquele personagem que se demonstra ser na cama diz muito mais sobre você do que se pode controlar. Os olhos abertos são as portas por onde esse personagem sai para o mundo expondo e entregando aquilo que na verdade é muito frágil, você.
Pâle septembre,comme il est loin,le temps du ciel sans cendresil serait temps de s'entendresur le nombre de jours quijonchent le sold'octobreMâle si tendreau début de novembredevint sourd aux avances de l'amourmais quel mal me pritde m'éprendre de lui?Sale décembrecomme il est lourd le cielsais-tu que les statues de selont cessé de t'attendre?Pâle septembreentends-tu le glas que je sonne?Je t'aime toujours d'amourje sème l'amourLes saisons passent mais de grâcefaisons semblant qu'elles nous ressemblentMais qui est cet homme qui tombe de la tour?Mais qui est cet homme qui tombe des cieux?Mais qui est cet homme qui tombe amoureux?Pâle septembre,comme il est loin,le temps du ciel sans cendresil serait temps de s'entendre
Pâle Septembre
Camille
Hoje quero espairecer e só pensar no que me faz bem.
Quando se sabe que vai morrerAssisti ao último filme de François Ozon, O tempo que resta (Le temps qui rest). Trata-se dos últimos meses de vida de um jovem fotógrafo, que descobre um câncer e decide não tentar nenhum tratamento ao saber que suas chances de cura eram praticamente nulas. Ele simplesmente escuta do médico que tem cerca de três meses restantes de vida e decide não contar aos pais, nem à irmã, nem ao namorado, não conta a quase niguém, decide morrer sozinho.Lembrei-me muito de Minha vida sem mim (Mi vida sin mi), de Isabel Coixet. Vi esse filme há algum tempo, e me lembro que me tocou demais, porque narra os últimos meses de vida de uma jovem na mesma situação, que se descobre vítima de uma doença terminal e decide encerrar seus assuntos, deixar tudo pré-ordenado para que a vida de sua família funcionasse sem ela. Os acontecimentos nas vidas dos dois protagonistas são diferentes, os anseios são outros, as realidades são muito distintas, mas a aproximação é inevitável por motivos muito simples: não só o tema gerador é o mesmo, a morte pré-datada, mas também o efeito, imaginar-se na mesma situação.Quantas noites passei em claro imaginando minha vida sem mim, e quantas passarei agora, pensando no que faria com o tempo que resta? Se pudéssemos saber quanto tempo resta... Se pudéssemos enxergar o espectro da morte aproximando-se antes de sermos alcançados, quais coisas se tornariam prioridades imediatas, e quantas perderiam a importância?... Às vezes é bom tentar pensar em quais descartaríamos como fúteis, banais ou desnecessárias, talvez elas sejam supérfluos mesmo hoje...Uma vez me disseram que eu vivo como se a morte estivesse espreitando por cima do meu ombro. É verdade que talvez me sinta assim. Meu pai morreu de uma dessas doenças que a gente sabe que se vai morrer com alguns meses de antecedência. Não se pode fazer muito, a não ser tentar tornar aqueles últimos dias difíceis os mais toleráveis que for possível. Não me lembro dessa época com meu pai, era muito nova. Mas convivi por toda a vida com a dificuladade da minha mãe em falar no assunto, com as constantes ponderações sobre possíveis mortes súbitas e o que fazer nesses casos e com a ausência da figura paterna.Dentre as muitas conseqüências dessa ausência a serem analisadas durantes meses em sessões de divã, percebo esta, uma sensação de que a morte está sempre prestes a acontecer, seja comigo, seja com os outros ao meu redor. Me tornei uma pessoa um pouco triste, um pouco obcecada com isso, com essa morte iminente, colada no meu pescoço. É muito natural para mim pensar, e dizer, que as pessoas podem morrer, de uma hora para outra, porque eu sei que é assim que acontece, e sei de verdade. Sempre penso que posso morrer quando atravesso a rua, quando pego um avião, quando ando de madrugada pelo Rio de Janeiro. E penso o mesmo dos outros. Isso incomoda muito algumas pessoas que convivem comigo, e por isso evito tocar no assunto. Mas penso.Acho que vivo num meio termo estranho entre o suspense da morte e a premeditação. Ao mesmo tempo em que me pergunto quando vai ser, como, onde, cogitando milhões de opções e vendo possibilidades em todas as situações, passo meus dias avaliando se as coisas valem a pena. O protagonista de François Ozon fala nisso, diz que tem se perguntado frequentemente sobre a utilidade ou a finalidade das coisas. Eu penso muito nissso. Penso que, se eu morresse hoje, ou amanhã, de que serviria tal e tal coisa? E tento ter sempre pelo menos uma coisa que valha a pena em cada dia.Todos os dias, tenho a preocupação de fazer alguma coisa prazeirosa, seja sair para dançar ou ler um bom livro, ou escrever alguma coisa interessante, enfim, fazer alguma coisa cujo resultado seja imediato, cuja fruição seja simultânea com o fazer. Não adianta passar seus dias plantando sementes que não se sabe se haverá tempo para colher, por mais cafona que isso soe. Planos a gente faz mas não necessariamente vive. É urgente que se viva todos os dias momentos plenos neles mesmos, momentos que se possa considerar válidos, merecedores dos seus últimos minutos nesse mundo, porque pode ser que sejam, realmente, os últimos. Ninguém está livre de ouvir de um médico que só se tem mais três ou quatro meses de vida. Eu faço questão de tem certeza todos os dias de que meus últimos meses têm valido a pena, e que não me arrependeria nem acharia que perdi tempo com besteiras se descobrisse que foram realmente os últimos. Por que nossa presença nesse mundo é sempre tênue, frágll e inesperada. Da mesma maneira impressionante como fomos gerados, um espermatozóide em milhões feculda aquele óvulo, naquele instante, podemos também morrer de formas inusitadas e improváveis. Porque somos homens e isso nos faz racionais, produtivos, inventivos e bem-sucedidos dentre os seres vivos, mas também nos faz frágeis e efêmeros como todos os outros.
Vontade de pular no tempoHoje eu vi um apartamento com a minha mãe que mexeu muito comigo. A princípio, não havíamos gostado do prédio, por causa da fachada e da portaria. Mas entramos. No hall do elevador, já tive um bom pressentimento. A porta era muito branca com uma maçaneta de aço escovado, muito nova, muito bonita. Barulhos de criança correndo e gritando lá dentro. Eu, que não costumo gostar de crianças, sorri.
Uma moça de uns trinta e poucos anos abre a porta. Vestindo um conjunto de moletom, ela era simples, os cabelos castanhos escuros brilhantes, uma moça bonita. Dois meninos corriam pela sala, entre 5 e 7 anos de idade, eu não entendo muito de crianças, mas achei os dois lindos e saudáveis, divertidos e felizes. Entrei no apartamento.
A sala era ampla e muito clara, uma vista bem livre, paredes brancas e móveis lindos. Gostei de todos os quadros nas paredes, gostei das cadeiras à mesa de jantar e da estante da televisão. A janela imensa me dava vontade de sair flutuando.
Depois da sala, vinha um pequeno corredor. Uma porta dava para uma espécie de escritório, originado por uma dependência de empregada revertida. Ali, sentado ao computador, o marido. Um homem alto e lindo, também jovem, sorridente, forte, o típico estereótipo do ser masculino provedor, que te passa segurança só no olhar. Nas paredes, prateleiras com muitos e muitos cds e quadros com capas de discos e ingressos de shows. Led zeppelin, deep purple, kiss... Além de lindos, eles definitivamente tinham bom gosto.
O resto do apartamento acompanhava o início, cômodos claros, arejados, amplos apesar de não muito grandes, acolhedores e confortáveis, com janelas enormes que fazem você se sentir dono do mundo, dono do céu.
O casal está nesse apartamento há menos de um ano. Estão se mudando para um maior. São lindos, têm filhos encantadores, móveis e peças decorativas de extremo bom gosto, dinheiro para uma vida confortável e alguns luxos. Tinha algo de sonho naquele apartamento, um ar de lua de mel.
Fiquei com o coração mole, com o peito um pouco apertado. Não que eu queria me casar e ter filhos aos vinte anos, mas finalmente eu me sinto adulta, finalmente eu me sinto madura, por que eu quero isso tudo. Ainda que no futuro, eu quero com certeza, com uma certeza que eu não conhecia.
Quero comprar um apartamento com alguém lindo com quem me sinta nas nuvens e criar meus filhos nele, montar árvore de natal no inicinho de dezembro e esconder ovos de páscoa em março. Quero ter uma cama de casal com o edredom de cores que combinam com a cor das paredes. Quero me debruçar na janela com meus filhos e mostrar as ruas, os telhados, as coisas todas que se pode ver. Quero ter um bolo de laranja na cozinha. Quero me sentir em casa.
Moça de colar de fita Acabara de chegar em casa. Sentia-se frustrada e cansada. Olhava-se no espelho no banheiro amarelado. Sentia-se ridícula. Ridículos os olhos pintados escuros, os saltos e a bolsa de vinil, ridículos os brindo compridos e o cabelo afetado, ridícula a hora. O relógio ria dela, não era hora, não era hora. Todos os solteiros ainda se esbarrando pela madrugada e os casais saindo cedo para rolar entre seus lençóis. Em ambas as opções, suor, muito suor e pouco fôlego. E ela diante de um espelho, a boca seca, os olhos apertados. Sentia alguma raiva, de muitas coisas. Dos olhos verdes zombeteiros, dos pés leves, do estar sonso. Raiva das mãos que entrelaçavam cinturas e as largavam com a mesma naturalidade com que roubavam-se beijos. Raiva dos momentos de antes estampados nas paredes sujas e dos olhares impressos nas escadas, das lembranças ricocheteando em seu cérebro.
Sentia-se cansada e frustrada. A hora inadequada, os casais em seus quartos, as pistas lotadas, as bocas ávidas do lado de fora. Sentada, diante de um derradeiro copo, sentia as pernas doloridas e deixava o olhar vagar perdido. Lia sobre anseios alheiros, refletia sobre o ausente.
Imaginava uma vida que pudera ser sua, pessoas outras, noites mais calmas, roupas mais leves, dias mais azuis e cheios de suavidades. Imaginava os dias que recusara e as companhias de que abdicara. Dias distantes no tempo, ocupando-lhe diariamente a memória e os lembretes de seu descaso.
Imaginava também a vida pela qual nunca optara nem nunca realmente se esforçara para conquistar. Uma vida sem horas e cheia de minutos lentos, cheia de palavras enroscando-se em seus braços e fazendo crescer macios os seus cabelos. Palavras que rodeariam sua cama em conquistariam as ruas debaixo de seu prédio até às mais largas avenidas. Cheia de melodias também, mas outras.
Sentia-se frustrada, cansada e ridícula. Perguntava-se por quanto tempo.
A presença de alguémHá pouco mais de duas semanas, um amigo meu esteve aqui em casa. Na verdade, algo diferente de um amigo, uma pessoa que conheci em uma viagem e que ficou dois dias na minha casa, em passagem pelo Rio.Ele foi embora num sábado de manhã bem cedinho, e eu até acordei e me despedi, mas voltei pra cama completamente sonada. Quando acordei, algumas horas depois, olhei em volta e achei tudo tão normal, tudo tão igual, que parecia que ele nunca estivera aqui. Tive que olhar as fotos que tiramos juntos pra voltar a sentir que ele realmente viera e que tudo que passamos juntos fora real. Mas no apartamento inteiro, não encontrei sinal dele. Nenhuma louça na pia, nenhuma luz acesa, nenhuma meia esquecida.Dois ou três dias depois, me dei conta de uma coisa em que ele mexeu. Na minha estante tenho uns gatinhos de papier maché que ficam sentados nas prateleiras. Um deles, que sempre cai, estava colocado numa posição estranha, todo pra dentro da prateleira, sem as pernas pra fora como seria o certo. Olhei pro gato e sorri.Não fui eu que mexi no gato, e ele certamente não estava daquele jeito antes, porque eu arrumei a estante antes desse menino chegar. Logo, foi ele quem colocou assim. Provavelmente ele esbarrou no gato, porque as malas dele estavam perto dessa estante e ele sempre passava por ali. O gato deve ter caído e ele colocou de volta desse jeito esquisito.Quando eu vi o gato, resolvi não mexer. Por duas semanas eu olhei pro gato e pensei nele. O gato colocado na posição errada era a prova de que essa pessoa estivera aqui, era um resquício da presença dele.A presença de alguém num ambiente pode estar nas coisas mais bobas. Uma marca na parede, um quadro torto, qualquer coisa fora do lugar. As pessoas mexem na sua casa, e tentam disfarçar, mas nunca vão deixar tudo do jeito que só você sabe como é. Arrumar ou não é uma escolha diretamente relacionada a lembrar-se dessa pessoa. Às vezes, ajeitar ou limpar qualquer coisa pode ser como apagar a presença de alguém definitivamente, e correr o risco de apagar também a lembrança.Hoje eu arrumei o gato na minha estante. Estava meio melancólica, pensando exatamente nessa pessoa, e resolvi que não quero conviver com esse fantasma dele aqui em casa, mesmo que fosse numa coisa tão pequena. Algo meio Eternal Sunshine, só que com rastros. Nosse memória funciona por associação e eliminar os rastros é eliminar os ganchos. Lembrar da pessoa passa a ser algo mais autônomo quando você não tem nada que te remeta a ela.Não que eu queira esquecê-lo, nem esquecer que ele esteve aqui. Mas não quero conviver com a ausência dele. Porque esse resquício da presença de alguém acaba só reforçando que essa pessoa não está mais lá.Duas semanas do gato me lembrando ele sempre que eu olhava. Ainda vou passar alguns dias pensando nisso sempre que olhar o gato. Mas é provável que com o tempo o gato volte a ser só um enfeite na minha estante e deixe de ser a lembrança de alguém que foi embora. Nesse dia, e só então, esse alguém terá ido de fato. E as lembranças vão ter que se provar fortes o suficientes nelas mesmas, para que eu não me esqueça de que ele esteve aqui e de tudo o que aconteceu nesses dias.
Há diferença entre a casa e o lugar em que se mora.Estive procurando um apartamento com a minha mãe durante todo esse fim de semana. De ontem pra hoje, vimos uns não sei quantos, todos aqui perto de casa, mesmo. É estranha essa coisa da casa. Faz cerca de um ano e meio que saí da casa da minha mãe e vim morar sozinha. Estranhei muito o lugar por algum tempo, demorei a assumí-lo como minha casa. Prova disso é ter passado muito tempo com muitas situações provisórias, coisas empilhadas, sem lugar, improvisadas. Pra falar a verdade, algumas continuam assim. Depois de um tempo, comecei a perceber o quanto isso é sintomático da maneira como você enxerga o lugar que você mora. Você só começa a cuidar de um lugar, melhorá-lo, deixá-lo do seu jeito, quando começa a vê-lo como sua casa, sua primeira casa.Deixar de chamar o lugar onde passou a infância de minha casa e começar a referir-se a ele como "casa da minha mãe" é doloroso. No início, parece que você está ofendendo alguém, maculando um lugar sacramentado, o seu lar, que vai ser único pra sempre. E você fica se lembrando do cheiro do corredor e admite que só se sente realmente bem, tranquilo e inteiro quando se deita naquele sofá. E quando alguém muda alguma coisa nesse lugar, você se sente estranho, como se tivessem te tomado alguma coisa, te privado de algo muito pessoal. Mas, surpreendentemente, isso passa.Em Garden State, Andrew Largeman (Zach Braff) diz que acha que a gente cresce quando deixa de achar que a casa dos pais é a nossa casa. E que a constitução de uma família é a tentativa de, enfim, estabelecer nossa própria casa. Não tenho o filme aqui, nem o roteiro, mas é algo assim. Depois de um fim de semana inteiro procurando apartamento, eu me sentei na minha cama, olhei pras minhas paredes, pros meus livros, pra minha cozinha, e me senti em casa. Não pensei em nenhum momento na casa da minha mãe. o tempo todo, enquanto olhava outras cozinhas, outras salas, outros banheiros, por mais que me lembrassem alguns aspectos do apartamento em que morei com ela, não era isso que me tocava mais. O tempo todo, o principal era pensar em como eu transportaria a minha vida, já configurada neste espaço, para um outro, novo, neutro.Pode não parecer muito lógico, mas procurar um terceiro apartamento finalmente consagrou este como a minha casa. Por que por mais que eu agora o veja como porovisório, isso me dá uma certa melancolia, uma vontade de aproveitá-lo, de olhar para as paredes e relembrar as coisas que aconteceram aqui. Morar sozinho faz a gente amadurecer muito, se conhecer muito melhor, criar oputra relação com o mundo e com as pessoas.Vai ser estranho voltar a viver com a minha mãe. Lógico que existem objetivos concretos e sensatos que justificam tal empreitada, mas confesso que sentirei falta daqui, desse lugarzinho que eu finalmente vejo como a minha casa. Vou sentir falta da cor das paredes, da luminosidade, do chão gelado, da praticidade das coisas... e de ser tudo só meu, claro. De não ter ninguém discutindo a respeito da posição das coisas, nem ninguém tirando o conhtrole remoto do lugar.Chegar em casa e ninguém ver o quanto você está cansado, ou bêbado, ou descabelado, é uma coisa que você só entende quando vivencia, não excepcionalmente, mas todos os dias. Ter total controle sobre a hora em que chega e sai, o que come, quando come, onde come... Sobre o que compra e quando acaba, sobre o canal em que a televisão está ligada, e à que horas...Tantas coisas confusas envolvidas no que se sente por um lugar. Algumas paredes e um pedaço de chão, com um monte de coisas dentro. Mas é minha casa, e eu vou sentir falta. Não penso mais em outro lugar, no cheiro de corredor nenhum, penso em como vou estranhar não ver essa janela todos os dias. o vento batendo e me assustando, o cheiro e o barulho do restaurante aqui embaixo, o chuveiro apertado... é dessas coisas que eu vou lembrar quando me mudar pra um outro lugar. E vai levar tempo até que esse lugar substitua este aqui, como este substituiu a casa da minha mãe, quando eu finalmente cresci.Contudo, mesmo estando aqui e sentindo este lugar como minha casa, continuo fazendo planos para uma casa que não existe ainda. Decorando ambientes que não conheço, planejando cores, móveis, quadros... e provavelmente vou continuar assim quando me mudar, porque a casa nova vai ser a casa da minha mãe, e a casa da minha mãe nunca mais vai poder ser a minha casa, não depois de ter superado esse rompimento.Me pergunto quando vou estar numa casa que seja realmente definitiva, não porque eu vá viver nela até o fim dos meus dias, mas porque será só minha, como esse apartamento finge ser, e porque será até eu mudar de idéia, sem prazo, sem contrato, sem planos de mudanças pro futuro. Uma casa que talvez se torne a casa dos pais dos meus filhos, da qual eles terão que se desprender e se libertar quando forem ter a deles mesmos.
Sobre perder o fôlegoRevi Brilho eterno de uma mente sem lembranças hoje. Ao contrário dos filmes simples, que a gente revê e já não se surpreende, ou não gosta tanto, esse filme se torna mais tocante a cada vez que assisto. Pode ser falsa impressão de quem tem memória emocional curta, não sei. Mas me sinto cada vez mais íntima dos personagens, como se eles ficassem mais à vontade e falassem de coisas mais íntimas a cada reencontro. E me dentifico cada vez mais com suas falas, e com as situações que eles vivem. Com o tempo as lembranças deles se misturam com as minhas, e o que eu vi no filme parece que aconteceu na minha vida, e tudo o que a Clementine fala poderia ter saído da minha boca.A história de Joel e Clementine, simples, resumida nos detalhes mais especiais e confusos na memória dele é arrebatadora. É dessas coisas que fazem a gente suspirar, virar os olhos, rir de nervoso e querer chorar compulsivamente, mesmo que as lágrimas acabem não descendo. No fim das contas, a fruição é contida. O roteiro do genial Kaufman te leva à beirada do penhasco e rapidamente recoloca tudo ao nível do mar. Você fica meio ofegante, a adrenalina sobe, a ansiosidade é incontrolável.Como sempre, o filme termina e eu fico inconformada com a idéia de não estar apaixonada por ninguém. Não consigo aceitar o fato de não ter alguém pra idolatrar, pra desvendar, pra conhecer, pra ficar com o olhar perdido e o sorriso dormente, pra achar que agora é a pessoa certa. Não é de um relacionamento que eu sinto falta. Estou solteira há relativamente pouco tempo e tenho aproveitado tantas coisas que agora pedem pra ser feitas solo, que nem me imagino encaixando um namorado (ou o que quer que fosse) nas horas insuficientes dos meus dias. Não, eu sinto falta de outra coisa. Muito mais significativa que o relacionamento, a pessoa. Não da pessoa aqui do meu lado, mas da pessoa em si, da existência dela.Sinto muita falta de visualisar um rosto no qual possa projetar os sentimentos mais estonteantes. Me faz falta aquele nome que faz tremer as pernas, aquelas mãos por quem seus braços ficam angustiados pra serem tocados, aqueles olhos que te levam à Lua. Tudo isso é estúpido, eu sei, mas não é a estupidez tão próxima da simplicidade que pode ser um caminho saudável até a satisfação? Quando você está apaixonado, isso basta. A pessoa não tem que se provar, não tem que ser extremamente inteligente, ou charmosa, ou bem-sucedida... qualquer fragmento de interesse se transforma em encanto.O filme não mostra quase nada sobre o dia-a-dia de Joel e Clem, não fala sobre o funcionar do seu relacionamento. Mas ele resume muito bem aquilo de que eu mais sinto falta, a maneira como você se envolve com alguém que acabou de conhecer e que é um estímulo, um objetivo, um inebriante. Fala sobre apegar-se. Outro dia, num outro filme, uma personagem melodramática falou sobre o momento em que a gente se apega a alguém. Esse momento é o melhor de todos, é o detalhe que faz toda a diferença. É tão bom encontrar alguém de quem você não quer sair de perto antes de se tornar o mais íntimo possível, porque você se sente completo, não pela pessoa, mas pela situação de estar com ela. O lugar certo, "exactly were I want to be", como diz Joel.Não quero falar sobre o roteiro fantásticamente bem estruturado de Kaufman, nem sobre os diálogos e as situações de extremo bom gosto, nem sobre a edição interessantíssima, nem sobre a câmera confusa ou a trilha sonora envolvente. Também não vou falar hoje sobre como me entendo cada vez mais como a Clementine, como me vejo falando as coisas que ela pensa e como reconheço as minhas idéias sendo formuladas por ela.Porque por mais que essas coisas me impressionem no filme e me façam achá-lo ainda melhor, o fato é que eu termino de assistir e não consigo pensar em outra coisa, senão o quanto eu gostaria de viver aquilo. Não todo o enredo doentio, mas aquilo que acontece entre eles, e que já aconteceu comigo umas tantas vezes. De estar com alguém na primeira noite, ou na primeira semana juntos, e se sentir flutuando. De ter certeza de que não poderia estar fazendo nada mais agradável do que estar ali com aquela pessoa, e de que se o sorriso continuar tão comprido, aboca vai ficar dolorida. De se olhar e se olhar e ficar imaginando como vai ser o beijo, depois como vai ser o sexo, depois como vai ser a vida.
De corpo presente, apenasVoltei pra casa. Pelo menos teoricamente. Hoje é quarta feira, e eu cheguei segunda de manhã. Mas ainda não me sinto de volta. Continuo pensando nas pessoas que conheci em Brasília, continuo conversando com elas ou sobre elas. Meu apartamento parece devastado por um ataque de bestas enfurecidas. Continuo comendo um monte de besteiras, sem horário pra nada. Acordo e vou pra faculdade como se fosse uma novidade completa. Não consigo ficar quieta na sala. Em casa, também não tenho concentração pra quase nada sério.Como esperado, conheci muita gente em Brasília. Me envolvi com uma porção de coisas, dormi pouquíssimo, dei vários nós no meu espírito. Das discussões sobre design, tirei a melhor conclusão possível, de que fiz a escolha certa. Sozinha, de ressaca, numa palestra na quinta feira de manhã, tive um insight. Definiram o designer como um solucionador de problemas. Sim, eu já tinha escutado essa antes, mas ali, naquela hora, me dei conta de que era isso que me garantiria ser boa. Porque eu sempre tive crises por não me achar criativa suficiente pra começar coisas fantásticas do zero, como um artista, sempre me frustrei por só ter boas idéias a partir de outras já existentes. Mas o designer não tem que começar nada do zero. O designer está lá para observar o problema e sulucioná-lo, ou seja, ele tem um ponto de partida bem específico. e isso eu sei que faço muito bem. Talvez essa questão nem deveria entrar aqui, ela merece ser melhor elaborada em um espaço próprio, certamente, mas fica aqui pra compor o quadro da minha satifação Ndesigniana.E como eu dizia antes, não foi só a questionamentos sobre a profissão que o Ndesign se prestou. Provavelmente essa nem foi a parte mais importante e certamente, numa interpretação imediatista, não foi a parte mais marcante. O que eternizou mesmo, como a gente fala, foram as pessoas. Sim, eu fui querendo conhecer gente, gente, muita gente, e foi o que encontrei.Consegui encontrar quase todas as pessoas com quem falava antes, e fiquei amiga de alguns. Através deles, conheci outros e tantos outros! De fato, nas atividades do evento ficava fácil conhecer gente, mesmo sem que ninguém apresentasse. Fiz ótimos amigos, por coincidência também cariocas, por causa de uma oficina. Conheci uma galera muito animada nas festas. E também gente muito doida nas rodinhas de violão. Qualquer fila (e rolaram várias) era um bom momento pra se fazer amigos.Pra fechar, conheci uma banda muito boa na última festa, se chama Móveis Coloniais de Acaju, e é de Brasília mesmo. Amei o som dos caras, me empolguei demais, sozinha lá na frente, comprei o cd e pedi autógrafos. Já ouvi o cd umas 10 vezes depois de ter chegado no Rio. e estou ansiosa pelo show dia 3, no Odisséia.O Ndesign "eternizou" tanto que eu ainda não estou conseguindo pensar direito, nem falar claramente a respeito. Ainda não consegui acordar nem dormir sem estranhar o quarto, ainda que muito mais confortável que a barraca do alojamento. Muita coisa aconteceu e as lebranças vêm vindo em flashes. Meu MSN não pára. Estive elétrica, deslumbrada, exausta, prestes a me apaixonar, ainda mais exausta e deslumbrada, com uma sede sem limites naquela cidade desértica, completamente absorta pelos acontecimentos do evento, mergulhando de cabeça naquele mar de gente, muita gente.Tenho que começar a voltar pra casa essa semana. Voltar a ouvir outros cds além de móveis, falar com gente que não tenha nada a ver com design, sobre assuntos que não envolvam o N, voltar a ler meus livros, a estudar francês, a pensar na minha vida por aqui. E assimilar tudo o que eu adquiri em Brasília, os amigos pra conversar e sair, a banda pra ouvir e tietar, uma consciência muito mais sólida sobre minha profissão, as experimentações estéticas, os questionamentos políticos, etc etc. Me senti no lugar certo, fazendo a coisa certa. E com as pessoas certas, óbvio.O N ainda vai render muito assunto, sem dúvidas. E ano que vem, tem R no Rio e N em Floripa, mal posso esperar... E segue assim... o assunto se enrola e não conclui. Porque o N não é pra concluir mesmo, a gente voltou de Brasília, mas todo o resto continua fluindo. Essa vida é fluxo e eu me sinto completamente na maré. Tudo fugiu do meu controle na semana passada e agora eu continuo flutuando. Não quero esquecer de nada, queria poder tirar fotos orgânicas pra estar de novo nas situações mais importantes. A bebedeira, a festa, a arquibancada, a oficina, a batucada, o auditório, a barraca, a fogueira, a roda, o carro... Tanta coisa cheia de significado. Eternizou, mesmo. E não pára só porque a gente voltou. Acho que esse N não vai acabar nunca. Pelo menos enquanto durar esse estado de espírito.
Gente, gente, muita genteAmanhã vou pra Brasília. Encontro nacional dos estudantes de design: o N design. Estou quase quicando de ansiedade. Sairemos num ônibus amanhã à tarde, uns vinte e tantos estudantes da Esdi com mais alguns não sei quantos da PUC. Chegaremos em Brasília sábado pela manhã. Bêbados, provavelmente, talvez já de ressaca. É a primeira vez que viajo num evento desses. Mesmo com o colégio, há alguns bons anos, quando a gente viajava tinha sempreum monte de gente "responsável" em volta, éramos muito menores de idade pra fazer coisas muito interessantes... e os números de participantes nunca eram muito altos.Em brasília, seremos mais de 2000 pessoas, todos estudantes universitários, e o melhor, todos designers. No mundo inteiro existe uma porcentagem de pessoas desinteressantes, até desagradáveis, mas quando falamos de um monte de gente que estuda a mesma coisa que você, e quando esse curso é realmente legal, o provável é que as porcentagens sejam muito favoráveis às criaturas gostáveis. Gente simpática, gente desregulada, gente muito animada, gente inteligente, gente criativa, gente de todas as formas possíveis desejáveis de se conhecer, todo mundo lá, reunidos num alojamento gigantesco. Gente, gente, muita gente.Tínhamos duas opções de estadia promovidas pelo evento: beliches, separadas em alas masculinas e femininas, ou um grande ginásio para barracas e colchonetes. Barraca foi a escolha da mairia dos que conheço. Um acampamento gigante de designers agitados.Espero fazer o maior número de contatos e amizades possível. Espero acordar para as palestras e oficinas, e ficar de pé para todas as festas. Espero que ninguém vomite na minha barraca. Espero estar viva e fisicamente íntegra ao voltar, com energia suficiente para retomar as aulas de uma Esdi saindo da greve (dedos cruzados) e começar um estágio. Espero que seja tão bom que pareça curto, que eu fique desolada ao acabar, que não possa esperar pelo próximo N.E principalmente, mais uma vez, espero conhecer gente, gente, muita gente, por que essa é a coisa mais divertida e fascinante na vida, as pessoas. Criaturas de todas as partes, com todos os sotaques, tão diferentes e tão parecidas... quero conhecer a voz de certas pessoas que já se tornaram próximas via internet, e descobrir tantas outras tão ou mais fascinantes.Não posso aguentar as horas. Quero que chegue logo, quero que cheguem todos logo, porque lá vai ter gente, gente, muita gente.
Personagens palpáveis e apaixonantes, admitoOntem, graças a mais uma agradável suspresa do ato de zapear na TV a cabo, assisiti ao filme Hora de Voltar (Garden State) de Zach Braff, que também assina o roteiro e o protagoniza. Andrew Largeman é um personagem auto-biográfico, segundo li em algum lugar. Não me interessa verificar se essa iformação procede.
A meu ver, todo e qualquer personagem é uma projeção de seu autor, assim como o antagoniza; é reflexo de suas experiências, refração de pessoas que ele conhece ou idealiza. Assim, em diferentes graus e formas, toda ficção faz referência à realidade, afinal, arte é expressão da subjetividade, e o que é a subjetividade senão a realidade processada pelos olhos e sentimentos de alguém?
O que me interessa é que Andrew Largeman me parece incrivelmente real. Vi o filme uma vez apenas, sem os quinze minutos iniciais (e geralmente essenciais). Não estou em condições de falar muito profundamente sobre nada, mas não posso evitar comentar o quanto esse personagem me comoveu.
Preso a não sei quantos traumas e restrições que lhe foram impostos por seu pai, psiquiatra, por sua mãe, depressiva, pelos acontecimentos crueis, de sua infância, Andrew volta a sua cidade natal e não tem muito a mostrar a seus antigos conhecidos além de um homem contido, tímido, travado e com uma enorme dificuldade de extravasar seus sentimentos. Ele não ri muito alto, não grita, não chora, não faz nada muito especial nunca. Como ele mesmo declara, passou muito tempo de sua vida dopado por medicamentos receitados pelo próprio pai. Mesmo depois de largar os remédios, Andrew parece estar sempre dopado.
Esse homem frágil, talvez fraco, inseguro, incerto, tantas vezes desajeitado, me comoveu muito. Porque me pareceu real. Me pareceu que eu o conhecia, ou que estava conhecendo, que o filme me colocava diante de alguém de verdade. Não digo o mesmo de todos os personagens, muito menos de todas as situações. Gosto da Natalie Portman, mas sua garotinha-maluca-super-espontânea todo mundo está cansado de ver nas telas, mas não encontra nunca por aqui. E os amigos, drogados e sem ambições ou perspectivas, completamente protagonistas, também não me dizem muita coisa além do básico, quer dizer, cumprem seu papel na trama, mas sem nenhum brilhantismo que me tenha tocado. Mas Andrew não.
Andrew me parece um pouco de mim, um pouco de algumas pessoas que conheço, ou mesmo que não parecesse com ninguém, ele me parece verossímil. Porque é espirituoso quando a situação lhe permite, e gagueja quando não pode evitar; raciocina sem a perfeição dos gênios ensaiados, mas com a impulsividade e a insegurança equilibradas de uma pessoa média. Suas atitudes e reações fazem sentido, suas declarações e reflexões são plausíveis. E como projeção nesse mundo não fictício em que somos obrigados a viver, ele cativou meu afeto. Sei que Andrew não é real, mas qual a difereça entre relacionar-se com um personagem cinematográfico ou internético, por exemplo? A resposta? Em uma hora e meia de filme, Andrew me falou muito mais coisas do que vários dos meus contatos do orkut ou do msn. Não foi para mim que ele disse? E não é para o público que fala o roteirista por trás do personagem? Aquilo que alguém me diz em meu scraapbook é, mesmo um recado pra mim?
Personagens assim criam vínculos, do tipo que me fazem sonhar com eles e ter a sensação de que os conheço. De pensar em uma música ou uma piada que o agradaria, de ter vontade de dedicar-lhe um poema, de oferecer-lhe um livro, de querer sair com ele para tomar um chope.
Andrew Largeman poderia ser um amigo que não vejo há algum tempo. Sinto que o conheço, que sei tanto sobre ele e sobre sua vida quanto sobre uns tantos amigos nem tão próximos, nem tão distantes. Ele poderia ser aquele cara que eu conheci numa viagem e que provavelmente nunca reverei, mas de quem me lembro vivamente em certas situações. E ele me toca tanto quanto tantas dessas pessoas, personagens transitórios de minha vida. Gente de quem não me lembro o nome, mas lembro das frases, dos diálogos detalhadamente.
É provável e até urgente que eu reveja o filme. Não sei se continuarei sentindo as mesmas coisas. Talvez eu volte e escreva algo sobre a produção em si, sobre o roteiro comovente ou sobre as frases elaboradas e espirituosas. Talvez eu guarde pra mim as próximas reflexões. Mas o que senti por Andrew acho difícil que mude. Sinto como se o conhecesse e ele é alguém que prezo. e quando se tem apreço por alguém, só o próprio pode fazer algo que mude, coisa que Andrew não poderá fazer.
Do amor de outros temposDepois de ter visto o filme e ter lido o livro mais de uma vez, assisti finalmente à adaptação de Orgulho e Preconceito produzida em 1995 pela BBC. Não pretendo falar aqui sobre a obra de Jane Austen, tampouco sobre suas adaptações, talvez num outro dia. O que me tomou a mente hoje foi uma reflexão sobre a maneira como se vive o amor em diferentes épocas.
De virgens de um não distante século XIX para meninas talvez exageradamente apressadas de hoje. Idem quanto aos rapazes, obviamente. Não é meu intuito redigir um elogio à moral e aos bons costumes, de maneira alguma. Nem seria tola a ponto de me basear em falsos pressupostos históricos e acreditar que o mundo caminhou para uma promiscuidade sem fim. Mas acho que alguma coisa mudou, sim, talvez não nos desejos, mas na velocidade com que são concretizados.
Pelas descrições de Jane Austen, nascida em 1775, que publicou o romance em questão em 1813, podemos concluir que os costumes da época tornavam os envolvimentos amorosos (como todo o resto) muito mais prolongados. Obviamente, a relação de Elizabeth e Mr. Darcy é idealizada e poucas moças tinham o privilégio de se casarem com os homens por quem se apaixonavam, como as irmãs Bennet. Mas não cheguei ainda no ponto que me interessa.
Apaixonados ou não, o fato é que os casais se formavam e levavam séculos até se beijarem. Na verdade, um simples olhar atencioso enrubescia as faces de qualquer moça respeitável e o toque das mãos sem luvas era um contato físico ansiosamente esperado. Um beijo nos lábios, portanto, talvez conquistado apenas no momento do matrimônio, devia ser causa de frisson, pernas bambas e tudo o mais. E aí começa meu questionamento.
O quão delicioso deveria ser um beijo naquela época? Imagine a noite de núpcias, todo o nervosismo e ansiedade. Lógico que a maioria das moças devia casar-se com homens feios, velhos e por quem não tivessem a menor afeição... mas numa época em que as moças já eram pedidas em casamento e não mais obrigadas por seus pais, a situação nem sempre devia ser tão abominável. Tenho até a pretensão de imaginar que um número razoável de jovens deveriam encontrar parceiros interessantes, afinal, em qualquer sociedade sempre há gente atraente e charmosa, não?
E penso em o quanto poderíamos aprender com aquelas moças recatadas, que sentiam a maior das felicidades ao serem cortejadas por rapazes apaixonáveis... Porque hoje tudo tornou-se tão fácil, talvez tão banal, que talvez não demos o devido valor...
Sou, sim, favorável à liberdade no comportamento de todas as criaturas, principalmente no que diz respeito ao amor. Eu mesma sofreria muito se certas atitudes não tivessem espaço em nossa sociedade, e acho que todos temos o direito de fazer com nossos corpos tudo aquilo que desejamos, com quem e quando quisermos. Só chamo a atenção para a irracionalização extrema dos comportamentos. Eu sei que o amor e o sexo de racional não têm nada, mas nós seres humanos, não podemos nos privar da capacidade de pensar... e talvez um pouco mais de ponderação sobre como lidamos com certas situações nos leve a resultados interessantes.
Porque às vezes, depois de uma noite na boate, depois de beijar algumas pessoas desconhecidas, ou depois de muito suor num quarto de motel, nos sentimos descartáveis. Você sabe que sim, eu sei que sim, e não falo só por mim, mas por todas as pessoas que já concordaram comigo... às vezes nos olhamos no espelho do banheiro vomitado ou até num espelho no teto e nos perguntamos o que estamos fazendo. Talvez a culpa seja nossa mesma, e da banalização com que lidamos com nossos instintos. Tudo é fácil demais, rápido demais, tratamos as relações como se o sexo fosse algo simples.
Nada é simples. Envolva ou não amor, sexo é troca, é entregar-se, é o máximo de intimidade física que chegamos com alguém (nisso excluo anomalias sádicas e escatológicas). E é sim, pra se fazer a big deal. E tem tanta coisa que vem antes do sexo, o olhar, o beijo, todas aquelas preliminares... porque nos deixamos esquecer dessas coisas às vezes, porque deixamos de dar-lhes a devida importância?
Me lembro de quando eu tinha 14, 15 anos. Quando cada noite com meu namorado era uma novidade, um passo a frente, e cada novidade era apreciada como o prato principal. Às vezes tenho vontade de voltar a me sentir como nesses dias. Talvez com 15 anos, eu estivesse muito mais próxima das irmãs Bennet, descobrindo aos poucos o que seria o amor, fisicamente. E muito provavelmente surpreendendo-me a cada avanço...
Não prego o recato, nunca levantaria uma bandeira para defender a castidade antes do casamento nem nada parecido. Sou a favor da diversidade e do prazer maior, acho que devemos desfrutar ao máximo de todos os prazeres que a vida nos oferece. Só chamo a atenção para que não banalizemos aquilo que deve ser muito valorizado. Sim, sexo é ótimo, mas não isso desmerece um beijo bem dado. Acho que às vezes um olhar devidamente direcionado, no momento adequado, pode causar mais adrenalina do que uma transa fácil e sem sentido. Sentido não é necessariamente sentimento, que fique claro! Falo de sentido como sinônimo de intensidade, de desejo real, de integração, de clic.
Estar com alguém tem que ser pelo alguém, não pelo estar. O que se faz é muito menos importante do que com quem se faz, como se faz e o que se sente. Alguns beijos no cinema podem ser mais emocionantes do que uma noite de sexo no motel, o que conta é o envolvimento com aquele (ou aquela, ou aqueles, que seja...) com quem se está.
Eu acho, pelo menos. Não sei se um dia vou encontrar um Mr. Darcy. Mas se encontar, quero aproveitar devidamente cada parcela de intimidade antes do clímax. Queimar etapas não me parece mais muito vantajoso.
De uma tarde azul, uma madrugada produtivaO Rio de Janeiro estava lindo hoje, como eu não via há tempos. Não via ou não notava, é possível. Estava muito azul, e o Pão de Açúcar brilhava dourado. Fiquei triste de não ter fotografado.
Eu não tinha hora, não tinha companhia, só a tarde azul e os fantásticos Yamandú Costa e Paaulo Moura no fone de ouvido. Passeei displicentemente pela Cinelândia. Fui até o cinema, mas não entrei.
Fui à biblioteca, Cucurucucu Paloma na clarineta, o céu muito azul e o bondinho deslizando preguiçoso na janela. Estudei, desenhei, me senti leve.
Depois, Libertango. um concerto maravilhoso no centro cultural da justiça federal, eu controlava meus pés para não sair dançando. Piazzola comove como poucos e é muito satisfatório vê-lo ser tão bem relido e interpretado.
Saí sem cumprimentar todos os músicos porque tinha hora. Peguei um ônibus que passou pela praia. A lua estava inacreditável. novamente, faltou fotografar. Era uma bola imensa, amarela, num céu muito preto.
Parecia que a qualquer momento a coisa mais fantástica da minha vida iria acontecer. Eu não me espantaria de tropeçar no homem da minha vida ou num bilhete premiado.
Nada de especial aconteceu. Vi um filme médio, jantei e vim para casa. Mas foi um dia fantástico, cinematográfico. Especial a ponto de me fazer ficar acordada até as seis e meia da manhã, depois sentar e criar um blog.
Não sei no que vai dar isso. Talvez eu só queira escrever em dias inspiradores como este que passou. Talvez eu me apegue a esse espaço e passe pra cá as prolixidades das minhas madrugadas. Não sei.
Enchi meus armários de pastas, de cadernos, textos e mais textos de quando o sono não quer se render à minha vontade de dormir. É possível que eu transfira para este blog alguns desses anseios noturnos.
Apaguei a luz porque amanheceu. Não fiz jus ao dia incrível que presenciei hoje. Mais do que presenciei, vivenciei, aproveitei, experimentei... agora chega. Sem fotografias, só minha memória incrédula. Me pergunto sobre as maravilhas que poderão vir nas próximas tardes.
Queria que fosse sempre junho.